Uma fascinante aventura no passado brasileiro

Karla Hansen

Ao chegar ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - localizado na rua 1º de Março, 66, no Centro -, o visitante é transportado, de imediato, para um outro tempo, um tempo remoto e desconhecido da história do Brasil. Atraindo todos os olhares que entram no elegante foyer do centro cultural, uma réplica de um esqueleto de uma preguiça gigante dentro de uma redoma de vidro, com mais de 6 metros de comprimento. Ela é o cartão de apresentação de "Antes, histórias da pré-história", a mais recente exposição promovida pelo CCBB, que está de portas abertas, com entrada franca, até o dia 9 de janeiro.

Mas não se engane quem pensa que a exposição se resume a esqueletos de animais gigantes, que existiram no período jurássico (quando apareceram os primeiros dinossauros), mesmo que eles emprestem um ar de grande espetáculo à mostra. Na verdade, esses vestígios da vida animal pré-histórica estão em apenas uma das salas da exposição, que, ao todo, ocupa, além do térreo, o primeiro e o segundo andar do CCBB. O fato é que o mais interessante, inédito e revelador da exposição está na coleção de peças e de imagens, que comprovam a existência de grupos humanos que habitaram nosso território, há dezenas de milhares de anos, antes mesmo das sociedades indígenas encontradas pelos colonizadores portugueses, há pouco mais de 500 anos.

Mais do que vestígios da presença desses grupos, os acervos - cerca de 300 peças, entre desenhos, gravuras, pinturas e esculturas, que pertencem a coleções de notórias instituições internacionais e nacionais - mostram que os homens pré-históricos brasileiros tinham um apurado senso estético e desenvolveram tecnologias que permitiram sua sobrevivência em ambientes hostis, sujeitos ao ataque de animais e à força indomável dos fenômenos naturais.

As coleções pertencem, na maior parte, à Fundação Museu do Homem, da Serra da Capivara, Piauí, e do Museu Paraense Emílio Goeldi. A organização do evento coube às arqueólogas Niéde Guidon e Anne-Marie Pessis. É notável a preocupação didática das curadoras, que pode ser conferida na forma em que as peças foram dispostas nas diversas salas e, também, nos textos explicativos, cuja leitura é prazerosa e indispensável para a compreensão da riqueza e da complexidade da mostra.

É o caso, ainda, de uma linha do tempo, que vai desde a era pré-cambriana, há 3 bilhões de anos, até ao último período da era cenozóica, referente há 7 mil anos, último marco antes do chamado "período cultural", relativo às primeiras civilizações. Entre esses dois extremos encontra-se, por exemplo, o aparecimento e a extinção dos dinossauros e o surgimento do Homo erectus (há 2,2 milhões de anos), entre outras espécies de seres vivos. É uma espécie de bússola que ajuda o visitante a situar cada peça vista no seu contexto de tempo histórico.

A linha do tempo está na primeira das salas da exposição, por ordem de visitação, onde também estão expostas as peças que compõem um panorama mundial da pré-história no mundo. Trata-se de coleções de museus nacionais e internacionais, referentes à presença de homens e mulheres pré-históricos, oriundas do Peru (civilizações pré-incaicas), da Romênia, do Irã, da Alemanha, da Hungria, da Turquia e da Austrália. São, na maioria, objetos pequenos, vasos de cerâmica, ídolos femininos, entre outros, envoltos por caixas de vidro iluminadas, que remetem o visitante ao universo dos que produziram tais objetos.

A escuridão acompanha toda a visita e traz uma atmosfera quase sagrada, quase mágica à mostra. Mas se, por um lado, a fraca iluminação dificulta a leitura dos textos explicativos ou das plaquetas informativas das peças, por outro cria no visitante uma sensação de ser, ele mesmo, um descobridor de uma realidade totalmente desconhecida e distinta de nossos dias.
Brasil de antes

"Nossa história não começou há 500 anos, como se ensina nas escolas brasileiras. Nossa história começou bem antes." Dessa forma, Marcello Dantas, idealizador da mostra, introduz o texto que abre a seção "Brasil de antes", parte substancial da exposição, em que se revela o cotidiano, os rituais de vida e de morte, peças de arte e imagens pintadas ou gravadas nas pedras, feitas por grupos humanos que viveram aqui, há dezenas de milhares de anos, em três diferentes regiões: no litoral, no interior e na região amazônica.

Começando pelos povos que viviam no litoral sul do Brasil, o visitante vai conhecer uma reprodução de um sambaqui - construção que podia chegar até 3 metros de altura, feita com areia, conchas e restos de ossos - muito comum em todo o litoral brasileiro, usado pelos homens pré-históricos como lugar de moradia, alimentação, lazer e, também, de enterramento. Segundo os pesquisadores, os sambaquis foram criados a partir da observação dos ninhos de pássaros e abrigaram populações de caçadores-coletores desde 8 mil anos atrás até os primeiros séculos da Era Cristã. Em torno deles, foram encontrados instrumentos de caça e pesca, ornamentos, objetos de arte e utilitários esculpidos em pedras ou ossos, a maioria representando animais, como peixes e pássaros. Tais esculturas impressionam pela beleza e sofisticação estética, representando verdadeiras obras de arte.
Em seguida, o visitante poderá conhecer o legado das populações que habitaram a Amazônia, na pré-história. Foram reunidos objetos de adorno pessoal, feitos a partir de ossos e dentes de animais, como os tembetás, ornamento esculpido e usado nos lábios, e os muiraquitãs, pequenos amuletos representando sapos, esculpidos em pedra, que foram largamente usados pelas populações primitivas, em particular, pelos tapajós, que acreditavam no poder medicinal desses amuletos.

Ainda no espaço dedicado à produção amazônica, a exposição traz as magníficas cerâmicas marajoaras. São objetos de decoração e forma excepcionais, usadas para uso doméstico e cerimonial, como no caso das urnas funerárias. Essas cerâmicas acompanham o surgimento de sociedades cada vez mais complexas, como as culturas marajoara, maracá e santarém, que produziram peças em formas humanas e animais, tiveram um breve auge e desapareceram, misteriosamente, num curto espaço de tempo.

A sala seguinte mostra as soluções tecnológicas criadas pelos homens pré-histórico, na construção de habitações, na confecção de instrumentos de caça, pesca e defesa, como machados, lanças e flechas. A exposição também mostra que o cultivo de plantas, principalmente da mandioca, representou um enorme salto no domínio da tecnologia pelo homem pré-histórico, o que garantiu uma fonte de alimento estável.

No segundo andar, o visitante encontrará a parte da mostra dedicada aos vestígios de vida humana, encontrados no interior do Brasil. Em uma parede inteira da sala são projetadas imagens de pinturas rupestres representativas de momentos da vida dos grupos que viveram há dezenas de milhares de anos. As imagens são acompanhadas por músicas tribais. Essas pinturas foram encontradas em sítios arqueológicos espalhados por todo Brasil, mas é no sertão do Nordeste, mais precisamente na região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, que está a maior concentração por metro quadrado em todo o mundo. A mostra reserva, ainda, um espaço especial à forma que os homens pré-históricos enterravam seus mortos, cujos esqueletos, em exposição, foram encontrados na mesma região.
Há, ainda, uma sala em que o visitante pode assistir a um vídeo sobre uma breve história das expedições arqueológicas feitas no Brasil, desde o século XIX. O vídeo explica que, a partir do século XX, houve um rápido avanço dessa atividade no país, com a formação de especialistas e com o desenvolvimento de novas tecnologias, que permitiram, por exemplo, identificar com maior precisão a idade das peças encontradas. O vídeo também faz um pequeno sumário da exposição. Ao fim, estão expostas réplicas de gravuras em pedras e, numa sala à parte, estão reunidos os esqueletos de animais pré-históricos, a chamada "megafauna" brasileira.

Em pouco mais de duas horas, pode-se percorrer todos os salões da exposição, sozinho ou guiado pelos monitores do CCBB. Nesse caso, tanto escolas como grupos devem solicitar o serviço com antecedência, pelo telefone 3808-2070 ou 3808-2254, de terça a sexta-feira. A exposição tem entrada gratuita e está aberta para visitação de terça a domingo, das 10 às 21 horas e quinta-feira das 10 às 22 horas.

E se você ainda não está convencido das emoções que a exposição pode lhe despertar, vale reproduzir um pequeno trecho do texto de Niéde Guidon, arqueóloga responsável pela Fundação Museu do Homem Americano e curadora da exposição trazida pelo CCBB: "A pesquisa sobre épocas pré-históricas permite hoje recuperar o universo de vestígios culturais que nos informa sobre os povos que moravam no Brasil antes da história escrita. Reconstruir a imagem dos grupos autóctones, salientando suas especificidades étnicas e suas capacidades técnicas, é o objetivo dessa mostra do passado".