Centro Cultural Banco do Brasil inicia 2005 com mega exposição de 263 peças de até 50 mil anos, que recuperam histórias e culturas
ancestrais
Pela primeira vez, o Brasil está tendo oportunidade de conhecer de perto um acervo precioso de peças que falam da vida de povos que habitaram o território brasileiro pelo menos
30 mil anos antes da chegada dos europeus. É a mostra ANTES - Histórias da Pré-História, a mais abrangente coleção sobre o período já reunida
até os dias de hoje. A exposição exibe um patrimônio inédito e surpreendente de 263 peças que percorrem 50 mil anos de história, de norte a sul do
País, chegando também ao exterior, com a missão de recuperar um patrimônio humano e artístico, que permanece ainda obscuro para grande parte da população
brasileira. São exemplares da pintura e da gravura rupestres, da cerâmica, de objetos líticos (pedra), da megafauna, enfim, de "achados" que trazem à tona o brilho
desta herança criativa e comprovam a criatividade e a capacidade de superação dos povos que habitaram o território brasileiro bem antes da chegada dos europeus.
ANTES - Histórias da pré-História chega a Brasília depois de encantar o público do Rio de Janeiro, sendo vista por mais de 600 mil pessoas. A mostra inaugura o
ano de 2005 no Centro Cultural Banco do Brasil e poderá ser vista do dia 1º de fevereiro ao dia 10 de abril, nas duas galerias do CCBB em Brasília. "A exposição
Antes dá continuidade à linha expositiva adotada pelo CCBB a partir de Arte da África, de exposições voltadas para o conhecimento das origens do homem americano",
declarou Marcelo Mendonça, diretor do CCBB na capital federal.
Sob curadoria das arqueólogas Niéde Guidon, Anne-Marie Pessis e Gabriela Martin, foram reunidas pérolas da nossa História muito antiga, e até o primeiro contato
com o europeu, espalhadas por todo o país em acervos tão ou mais inacessíveis aos brasileiros e, portanto desconhecidos, do que os dos grandes museus europeus. As três
estudiosas desenvolvem há mais de 30 anos uma pesquisa obstinada a respeito dos primeiros habitantes do Brasil e foi este trabalho que tornou possível esta exposição.
Niéde Guidon é considerada a maior arqueóloga brasileira, doutora em arte rupestre do Piauí, pela Sorbonne, e Anne-Marie Pessis é doutora em arte rupestre pré-histórica
pela Sorbonne, Gabriela Martin é formada pela Universidad de Valencia, Espanha, doutora em arqueologia e professora do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco.
O trabalho delas no Brasil, fez com que as teorias de ocupação das Américas fossem reconsideradas: hoje se reconhece que a ocupação do território americano
se deu pelo menos 30.000 anos antes do período comumente aceito antes de suas pesquisas. Segundo elas, esta mostra é uma oportunidade singular de o brasileiro tomar contato com este
passado tão rico.
ANTES - Histórias da pré-História foi idealizada por Marcello Dantas, que propôs o projeto ao CCBB e também assina o desenho de montagem da mostra e as três
criações eletrônicas que são projetadas. Segundo ele, "é necessário retirar a camada científica que recobre a Pré-História para
entender a dimensão humana e artística que esse patrimônio revela". Dantas começou a conhecer a riqueza do período pré-histórico brasileiro pouco
antes da Mostra do Redescobrimento, realizada em 2000, quando percorreu os sítios arqueológicos para produzir um filme. "Conheci a Niéde e fiquei absolutamente apaixonado
pelo trabalho dela e pelo que ela tem revelado. Achei que tudo aquilo tinha de ser reunido num único lugar", conta.
Para chegar a esta coleção, eles vasculharam o acervo de 14 instituições que emprestaram peças. São elas o Museu Paraense Emilio Goeldi, Belém; Fundação
Museu do Homem Americano (FUMDHAM), São Raimundo Nonato, Piauí; Fundação Feitosa, Tauá, CE; Estação Ciência, João Pessoa, Paraíba;
Museu do Estado do Pernambuco (MEPE), Recife; Museu Nacional, Rio de Janeiro; Museu de Ciências Naturais da PUC-MG, Belo Horizonte; Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São
Paulo (MAE-USP); Instituto Cultural Banco Santos, São Paulo; Museu Arqueológico do Sambaqui (MAS), Joinville, SC; Universidade Federal de Santa Catarina; Museu de Ciências Naturais
de Valencia, Espanha; Museu da Pré- História e História Antiga de Berlim e George Chaloupka do Kakadu National Park, Darwin, Austrália.
Matriz, memória, herança ?" É na arte como dimensão da técnica que se manifesta a universalidade de um rasgo profundamente humano. (*) Na pré-história
podemos achar as raízes de nossos sentimentos artísticos que possuem uma universalidade que atravessa os milênios e que nos torna sensíveis realizadores de gestos técnicos".
Anne-Marie Pessis ?A produção do homem ancestral brasileiro é a matriz estética e técnica de tudo o que se conhece hoje. Ele não possuía escrita,
vivia em pequenos grupos, com expectativa de vida de aproximadamente 30 a 40 anos. Por isso desenvolveu meios de preservar sua memória para partilhar seu acervo cultural entre gerações.
Palavras, posturas e gestos ficariam materializados em pinturas, gravuras, ornamentos, esculturas, que se destinavam a marcar em cada indivíduo a memória coletiva. O meio ambiente era
a referência primordial: as características estéticas da produção estiveram sempre submetidas à influência ambiental.
O Brasil de ANTES... pode ser dividido em três "estados" com repertório estético peculiar a cada região. A separação por região se dá porque
as culturas e as economias se adaptam ao meio ambiente. Assim, do litoral vêm as peças com linhas tênues e a inspiração nas aves e nos peixes; do interior, do planalto
central, a iconografia animal, com traços irregulares se harmonizando com a própria superfície da pedra; e a abundância visual, de intensidade e diversidade absolutas da
Amazônia, se traduz na cerâmica com formas tão elaboradas que fazem o Barroco parecer tímido.
O circuito da exposição ? ANTES - Histórias da pré-História convida o espectador a percorrer milhares de anos de história e arte, começando por uma
introdução com obras da pré- história de diversas partes do mundo - Brasil, Peru, Anatólia, Romênia, Irã, Alemanha, Hungria, França e Polônia.
Em destaque para o crânio de Zuzu, um dos mais antigos esqueletos encontrados no Brasil.
Do litoral, o público poderá ver um conjunto de zoólitos - esculturas em pedra e osso com formas essenciais minimalistas, utilitários, instrumentos e adornos -, e a reprodução
da textura de um sambaqui. Os sambaquis são montes de conchas e sedimentos calcários, cônicos, alongados ou achatados, resultantes do acúmulo progressivo e intencional
de conchas, areia, terra, que datam de até 8.000 anos. Podem ser vistos ao longo da costa centro-sul brasileira. Alguns chegaram a ter 30 metros de altura. Nos sambaquis são encontrados
vestígios de vida humana, enterramentos, esculturas e utensílios.
No segmento Amazônia, estão muiraquitãs - objetos talhados em pedra em forma animal, aos quais são atribuídas qualidades sobrenaturais -, e cerâmicas das culturas
de Santarém, Marajó no Pará e Maracá no Amapá. Essas talvez sejam as obras mais vultosas da exposição que revelam uma cultura extremamente desenvolvida
e que deixou um acervo de criatividade e técnica impressionantes sem jamais ter tido contato com o europeu.
Há também uma sala que apresenta as "tecnologias" desenvolvidas na pré-história: o cultivo da mandioca, a indústria lítica, cerâmica, cestaria,
a casa pré-histórica e os rituais da morte. Além de um espaço dedicado a mostrar interativamente o trabalho das diversas missões de pesquisadores, que deram origem à arqueologia
no Brasil.
Para apresentar as pinturas rupestres de sítios do Parque Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, a mostra inclui um sistema de imensas projeções
digitais feitas a partir de uma rara iniciativa de documentação fotográfica dos sítios arqueológicos feita com luz noturna pelo fotógrafo Cesar Barreto.
Esse sistema recria digitalmente o espetáculo da pintura rupestre usando uma gramática contemporânea para aproximar o olhar do visitante da intenção dos povos que
deixaram essa inestimável herança. Nesse segmento se incluem também peças do acervo da FUMDHAM (Fundação Museu do Homem Americano), como esqueletos e crânios,
encontrados no interior do nordeste do Brasil e a preciosidade de uma pequeníssima flauta. Para representar as gravuras, uma réplica de 10 metros da Pedra Lavrada do Ingá, na
Paraíba, a mais famosa gravura rupestre do Brasil, junto com fragmentos de outras gravuras rupestres encontradas no nordeste. A Pedra do Ingá tem grafismos não identificados,
dispostos em planos contínuos, desenhados com sulcos largos e profundos. Há uma multiplicidade de interpretações, que alimentam mistérios em torno desta gravura.
Em outro segmento estão esqueletos da megafauna, vindos do Museu de Ciências Naturais de Valencia, um Glyptodonte, o Tatu Fusca, um tigre de dente de sabre e um scelidotherium bravardi,
espécie de preguiça de tamanho médio. O tigre de dente de sabre e o Glyptodonte estão integrados a uma atração interativa, com uma tela holográfica
que, surpreendentemente revela a imagem real do animal contido na vitrine.
Além disto, podem ser vistos fragmentos de animais de tamanhos impressionantes, como preguiças gigantes, lhamas, tatus, espécies mais comuns da megafauna brasileira, alem de
dois raros exemplares em perfeito estado de um Tigre de Dente de Sabre Smilodon.